sexta-feira, agosto 22, 2008

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Considerava-me imortal; soube, com horrível violência, que o não era. Ter passado o que passei alterou-me por completo a existência e suponho que modificou também o que produzo. Os médicos não tratam: tornam a dar-nos a eternidade sob a forma de um infinito futuro, isto é uma porção limitada de dias que apesar de tudo acreditamos, contra a evidência, não terminar nunca. Agora tenho essa eternidade. Por quanto tempo não sei; o silêncio rodeia-nos por toda a parte, quer dizer, a ameaça dele. Não podemos deixar que ele nos assuste. Gastei meses a encostar o ouvido à terra do meu corpo, tenso, à espera. Agora não: fico de pé na minha teimosa precariedade.

António Lobo Antunes
Extracto de "Morto Cobrido de Amor" in "Visão" de 7 de Julho

5 comentários:

WOLKENGEDANKEN disse...

"ficar de pé na nossa teimosa precariedade" descreve perfeitamente a nossa vida. Quem consega aceitar a precariedade, a falta de qualquer tipo de seguranca e o facto que nada dura, pois igual pode gozar da vida que é como é e nao como nos gostariamos que fosse :))

WOLKENGEDANKEN disse...

Ah, e o pontinho vermelho como titulo é fantastico ....

Mr. Lynch disse...

Wolkengedanken;
É verdade...
Quanto ao título... Nada mais fatal e definitivo que um ponto final... seja onde for!

WOLKENGEDANKEN disse...

Eu detesto os pontos finais mas investo muitissima energia e tempo a aprender a fazer pontos finais onde for necessario. Infelizmente o resultado de momento nem me convence a mim mesma :))
NIHIL DESPERANDUM !!

Anónimo disse...

Aqui tinha vindo, sem palavras... sei o real disto que ALAntunes escreveu. E na altura da operação dele, recortei a primeira crónica de sobrevivo!
Abçs
Bettips