"Janeiro de 1995, quinta-feira. Em roupão e de cigarro apagado nos dedos, sentei-me à mesa do pequeno-almoço onde já estava a minha mulher com a Sylvie e o António que tinham chegado na véspera a Portugal. Acho que dei os bons-dias e que, embora calmo, trazia uma palidez de cera. Foi numa manhã cinzenta que nunca mais esquecerei, as pessoas a falarem não sei de quê e eu a correr a sala com o olhar, o chão, as paredes, o enorme plátano por trás da varanda. Parei na chávena de chá e fiquei. «Sinto-me mal, nunca me senti assim», murmurei numa fria tranquilidade.
Silêncio brusco. Eu e a chávena debaixo dos meus olhos. De repente viro-me para a minha mulher: «Como é que tu te chamas?»
Pausa. «Eu? Edite.» Nova pausa. «E tu?»
«Parece que é Cardoso Pires», respondi então."
Texto: Excerto de "De Profundis, Valsa Lenta" de José Cardoso Pires
Imagem: "Auto-retrato" de Egon Schiele
8 comentários:
Querido amigo,
ainda não li esta preciosa leitura de José cardoso Pires. E você instigou a minha curiosidade. Através deste texto introdutório que há muito que se aprofundar. Obrigada!
Uma feliz Páscoa para você e familiares! Beijos, com carinho.
* Desculpe a demora...estou fora de casa e sem oportunidade de acessar a net.
SAM;
Olá querida amiga. Esta é uma obra muito interessante do José Cardoso Pires. É um livro extremamente pequeno e com uma narrativa muito acessível (lê-se em uma hora), mas muito interessante. A edição portuguesa vem com um excelente prefácio do António Lobo Antunes, o que é sempre interessante.
Um beijo com muito carinho
Duma profundidade que ele sabia
vir um dia, lenta como o esquecer o pensamento. . Comovente lembrança, a tua!
(a Kitty morreu, sim e eu só tenho pena de não ter estado aqui com ela...)
Abç
Ah, um dos Schieles com "aura". E muito boa ilustracao para este texto.E o texto pela sua parte descreve a sensacao de se sentir extranho no mundo que é muito tipica pelas pessoas que tem os mesmos problemas psicologicos como Schiele.
Em total:excelente post :))
A dança do cigarro a envolver a linguagem. O auto retrato parece isso mesmo. Inquieta-me o quanto os pintores gostam ou não de fazer esse tipo de obras (auto retratos)mas é raro encontrar um que não o tenha feito
Em pleno!
:)))
Gostei de reencontrar estas palavras...
:)
Obrigada.
"parece que é José" soa melhor :P
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