quarta-feira, agosto 22, 2007

Mea Culpa

"Adentro-me na água morna do rio como quem penetra num poema ignorado ou num amor nascente. Não nado, deslizo, com os cabelos soltos que me seguem, oscilando, e que se enrolam, de onde em onde, nos dedos de plantas misteriosas.
Onde vou, pergunto-me, mas a resposta é esta vontade incontrolável de procurar o fundo do rio, o seu leito de areia clara, é aí continuar o meu sono. Mas não consigo alcançá-lo. Há que deslizar mais e mais, penetrar em pequenas grutas onde sei que há monstros en cujas cabeças se abrem leques como cocares de guerreiros índios.
Agora a água é transparente e ao meu lado vogam pétalas de todas as cores. As vozes entoam um cântico mais doce, hipnótico como uma canção de embalar.
Só então reparo que das nossas bocas, dos nossos narizes, não saem bolhinhas de ar, embora avancemos no fundo do rio. Suponho que estejamos mortos."

Texto: "O Pronúncio das Águas" de Rosa Lobato Faria
Imagem: Fotograma de "The Hours" de Stephen Daldry (2002)

5 comentários:

Claudia disse...

Reminiscências ofélicas. Mr.Lynch, aguarda algo de novo no meu blog. És capaz de ficar surpreendido.

Mr. Lynch disse...

Claudia;
À medida que lia este excerto de "O Pronúncio das Águas", duas imagens irromperam na minha mente: primeiro a imagem de "Virgínia Wolf" no filme "The Hours" e depois a pintura de "Ofélia" de Sir John Everett Millais...
Aguardo as novidades no teu blog.
:-)
*

Claudia disse...

A mim, ocorreu-me a pintura de Millais.

Mr. Lynch disse...

Claudia;
Essa imagem só me ocorreu a partir do segundo parágrafo que aqui transcrevi.
*

Anónimo disse...

formigueiro.